CARTA DE BERLIM
Documenta: arte e polêmica
Termina em Kassel, na Alemanha, uma das maiores exposições de artes plásticas da Europa. Com um milhão de visitas, a Documenta deixa atrás de si uma polêmica sobre o significado de uma grande exposição como esta no mundo contemporâneo.
Flávio Aguiar
Kassel é uma cidade de tamanho médio, na Alemanha, com cem mil habitantes, a três horas de trem de Berlim em direção ao sudoeste. Era um dos centros de produção de armamentos na Alemanha do começo do século XX. Por isso ela foi inteiramente arrasada por bombardeios ingleses e norte-americanos em 1943. Isso resultou num ar estranho para uma cidade alemã: ela parece inteiramente “nova”, com seus prédios construídos desde meados da década de 1950 para cá.
Essa foi uma das razões porque Kassel foi escolhida, em 1955, para sediar a Documenta, uma exposição cujo objetivo, de acordo com seus organizadores e seu inspirador Arnold Bode, era “reconciliar uma sociedade civil alemã desmoralizada com a arte moderna”, depois do vendaval nazista e da destruição provocada pela Segunda Guerra.
A Documenta ocorre de cinco em cinco anos, e neste ano de 2007 houve sua décima segunda edição. Sempre marcante, cada Documenta reúne centenas de artistas do mundo inteiro, na que é reconhecida como uma das maiores e melhores exposições de arte contemporânea do mundo.
Neste ano a organização ficou por conta da curadora Ruth Noack e do diretor Roger Buergel. Num movimento que trouxe reações polêmicas por parte de artistas e críticos da imprensa, Noack e Buergel defenderam uma Documenta que reunisse objetos de arte e instalações muito variados, sem nenhum conceito que pré-definisse o conteúdo da exposição.
Com os objetos distribuídos em cinco espaços, sendo um deles o Museu Wilhelmshöhe, um dos maiores da Alemanha dedicados à pintura do fim da Idade Média para hoje, e um dos mais ricos em pinturas de Rembrandt, a mostra exibia iluminuras da Pérsia do século XIV com evocações e homenagens dos anos 50 e 60, artistas africanos (muitos), brasileiros (presenças marcantes), artistas europeus contemporâneos, etc.
A presença das obras num determinado espaço era definida por um “diálogo de formas”, como se elas, as formas, é que “contassem a história” esquecida pelos homens. Essa convivência de objetos em princípio completamente estranhos uns aos outros é que provocou reações adversas, como se isso implodisse qualquer método ou disciplina de pensamento que a mostra pudesse suscitar.
Entretanto a mostra não era destituída de significado intencional. Logo na entrada de um dos pavilhões, o maior e mais importante, o visitante deparava com uma reprodução de um quadro de Paul Klee, de 1920, Angelus Novus. Este quadro de Klee foi o inspirador da famosa consideração do filósofo Walter Benjamin sobre o anjo que, jogado para diante desde o portal do Paraíso, mas de costas, vê a história e o progresso como uma contínua construção de ruínas.
Esta é a sensação que acompanha o visitante enquanto percorre os salões onde “se chocam” diferentes objetos, vindos de diferentes contextos, re-unidos por uma percepção de forma que pode, sim, parecer casual, ou arbitrária, mas que espelha uma concepção da contemporaneidade vista como o entrechoque de espaços, contextos e culturas.
Há uma constante na visitação do olhar: a percepção da guerra como paisagem dominante na contemporaneidade, e da guerra levada a todos os fins de mundos possíveis pela superpotência vencedora da Guerra Fria. Não há quase sala ou espaço em tamanha exposição, em que pelo menos uma das formas presentes não lembre as ruínas da destruição provocadas pela Guerra Total que estamos presenciando. Entre as centenas de possibilidades, escolhi para ilustrar esta carta, a foto de um detalhe da instalação do artista chinês Zhang Guogu, “Add oil and march forward”, “Ponha óleo e toque pra diante”, que consiste numa série de pequenos tanques de guerra como se estivessem cobertos de óleo (petróleo) numa associação com as guerras no Oriente Médio e proximidades.
De todas as Documenta, esta foi a mais popular, atraindo quase um milhão de visitantes durante suas treze semanas de duração.