terça-feira, 4 de março de 2008


Manifesto das Mulheres da Via
Campesina
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Nós, mulheres da Via Campesina do Rio Grande do Sul, estamos
mais uma vez mobilizadas, nesta semana do 8 de março, para intensificar nossa
luta contra o agronegócio e em defesa da soberania alimentar da população
brasileira.

A soberania alimentar é o direito dos povos de produzir sua
comida respeitando a biodiversidade e os hábitos culturais de cada região.
Hoje
em nosso país as riquezas naturais estão sob domínio das empresas
multinacionais
do agronegócio e a população tem cada vez menos acesso à terra, à água e aos
alimentos.

Nós mulheres somos as primeiras a serem expulsas das
atividades agrícolas nas áreas onde avança o agronegócio. Nosso trabalho é
importante em uma agricultura camponesa porque sabemos produzir alimentos.
Mas
as empresas do agronegócio não estão preocupadas em produzir comida, só em
produzir lucro transformando o campo em desertos verdes (de eucalipto, de
soja,
de cana). Um dos desertos que mais cresce em nosso Estado é o de eucalipto
para
celulose.

As empresas de celulose estão fechando fábricas nos Estados
Unidos e na Europa e vindo para a América Latina. Aqui encontram muita terra,
água, clima favorável e governos dispostos a atender seus interesses. Mais de
90% da produção de celulose do Brasil é para exportação. Assim, reduzimos a
produção de comida, destruímos a biodiversidade, aumentamos a pobreza e a
desigualdade para atender a demanda de lucro das empresas e um estilo de vida
consumista nos países ricos. Esse é o papel horroroso que o Brasil cumpre
hoje
no mundo.

Uma das empresas responsáveis pelo avanço do deserto verde no
Rio Grande do Sul é a Stora Enso, multinacional sueco-finlandesa. Pela lei
brasileira estrangeiros não podem ter terra em uma faixa de 150 km da
fronteira
do Brasil com outros países. Acontece que a Stora Enso já tem milhares de
hectares plantados no Uruguai e é exatamente próximo da fronteira gaúcha com
este país que essa gigante do ramo de papel e celulose quer formar uma base
florestal de mais de 100 mil hectares.

Inicialmente a Stora Enso tentou comprar as terras em nome da
empresa Derflin, o braço da multinacional para produção de matéria prima, que
por ser estrangeira não conseguiu legalizar as áreas.

Para viabilizar sua implantação a multinacional criou uma
empresa laranja que está comprando as terras em seu nome: a agropecuária
Azenglever Ltda, cujos donos são dois importantes funcionários da Stora Enso.
Eles se tornaram os maiores latifundiários do estado, sendo
"proprietários" de
mais de 45 mil hectares. Essa operação ilegal é de conhecimento dos
Ministérios
Públicos Estadual e Federal, do Incra, da Polícia Federal, mas nada de
concreto
foi feito para impedir o avanço do deserto verde. Decidimos então romper o
silêncio que paira sobre esse crime.

Nossa ação é legítima. A Stora Enso é que é ilegal. Plantar
esse deserto verde na faixa de fronteira é um crime contra a lei de nosso
país,
contra o bioma pampa e contra a soberania alimentar de nosso estado que está
cada vez mais sem terras para produzir alimentos. Estamos arrancando o que é
ruim e plantando o que é bom para o meio ambiente e para o povo gaúcho.

Alguns parlamentares gaúchos ao invés de combaterem a invasão
dos estrangeiros estão propondo reduzir a Faixa de Fronteira para legalizar o
crime. Usam o argumento de que a faixa de 150 km impede o desenvolvimento
econômico dos municípios. Mas isso é uma grande mentira. Todos sabem que a
Metade Sul não se desenvolve por causa do latifúndio e das monoculturas.
Tanto
que a faixa de fronteira também vigora na metade norte do estado e nessa
região
a economia é dinâmica.

As empresas de celulose prometem gerar emprego e
desenvolvimento. Mas onde elas se instalam só aumenta o êxodo rural e a
pobreza.
Os trabalhos que geram são temporários, sem direitos trabalhistas, em
condições
precárias. Um exemplo é a Fazenda Tarumã em Rosário do Sul, de 2,1 mil
hectares
onde a Stora Enso gera somente dois empregos permanentes e alguns empregos
temporários.

Se essa área for destinada para a reforma agrária podem ser
assentadas 100 famílias gerando no mínimo 300 empregos diretos permanentes.
Portanto, a Reforma Agrária e a Agricultura Camponesa é que são a melhor
alternativa para preservar a biodiversidade, gerar trabalho e renda para a
população do campo e alimentos saudáveis e mais baratos para quem mora nas
cidades.

O projeto que tramita no Senado propondo reduzir a Faixa de
Fronteira brasileira não inclui a Amazônia porque entende que isso seria uma
ameaça para a floresta. Ou seja, admite que a redução da Faixa de
Fronteira irá
aumentar a destruição ambiental. Para nós todos os biomas brasileiros são
importantes e entendemos que o Cerrado e o Pampa também precisam ser
preservados.

Nós mulheres da Via Campesina reivindicamos das autoridades
brasileiras:

- Anulação das compras de terra feitas ilegalmente pela Stora
Enso na faixa de fronteira e expropriação dessas áreas para a reforma
agrária.
Somente nos 45 mil hectares que estão em nome da empresa laranja, a
Agropecuária
Azenglever daria para assentar cerca de 2 mil famílias, gerando 6 mil
empregos
diretos. Atualmente 2.500 famílias estão acampadas no Rio Grande do Sul e o
Incra alega não ter terras para fazer assentamento.

- Retirada dos projetos no Senado e na Câmara Federal que
propõem a redução da Faixa de Fronteira. Essa medida só vai beneficiar
empresas
como a Stora Enso que querem se apropriar das terras para transformá-las em
deserto verde, destruir nossas riquezas naturais como o aqüífero guarani e o
bioma Pampa. Para o povo gaúcho essa redução da faixa de fronteira só vai
provocar aumento do êxodo rural, do desemprego, da destruição ambiental e
o fim
soberania alimentar pois vai faltar terra para produzir alimentos.

Sabemos que por lutar contra o deserto verde podemos sofrer a
repressão do governo gaúcho. É prática desse governo tratar os movimentos
sociais como criminosos e proteger empresas que cometem crimes contra a
sociedade. Vamos resistir. Nossa luta é em defesa da vida das pessoas e do
meio
ambiente. Estamos aqui em 900 mulheres, mas carregamos conosco a energia e a
coragem das milhares de camponesas que em todo o mundo lutam contra a
mercantilizaçã o das riquezas naturais e da vida. Como dizia a companheira sem
terra Roseli Nunes, assassinada covardemente em março de 1987 aqui no Rio
Grande
do Sul, "preferimos morrer lutando do que morrer de fome!".

Mulheres da Via Campesina do Rio Grande do Sul,

Brasil
, 04 de março de 2008.
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Assessoria de Comunicação da Via Campesina
Porto Alegre: 51 9994-6156
Rosário do Sul: 51 9992-7674

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